CRÔNICAS DE MANAUS e outras HISTÓRIAS

Capa do livro Crônicas de Manaus
 Escrever sobre a cidade em que se habita é falar sobre si mesmo, sobre nossas percepções, nossas ideias, sobre o que defendemos e amamos ou odiamos. É falar sobre o que nos inquieta, sobre o que temos saudade e sobre o que gostaríamos de ver melhorado. Escrever crônicas sobre uma cidade, muita gente pode fazer, sob muitas perspectivas. Mas quando um geógrafo sensível descreve sua cidade, há uma beleza que dá sentido à ciência e que me desperta a necessidade de ler mais e também escrever.

O livro CRÔNICAS DE MANAUS, do geógrafo, prof. doutor José Aldemir de Oliveira, traz 46  textos em 114 páginas, dividido em três temas: Lugares,Gente, Amores. Nas palavras de Tatiana Schor: "É uma das vozes da cidade que se perplexifica com as transformações e permanências, é uma voz embargada de emoção que esconde o seu olhar meticuloso e acadêmico, que disfarça o seu tato ribeirinho e prolonga os cheiros e sons que desaparecem". E nas palavras de Tenório Telles: "Este livro não é só um passeio pelo dia a dia de Manaus - é também um testemunho do cronista sobre as "esperanças, alegrias, amores e gestos solidários armazenados na memória coletiva..." e que dão "sentido à vida, tornando os caminhos curtos e os desencantos breves... que abrem a porta para o infinito". Nessa magia de tecer realidade e linguagem reside um dos segredos da arte de tecer as palavras - de tecer a existência. Desafio que José Aldemir enfrenta com êxito."

Ao longo das páginas os conceitos de ESPAÇO, TEMPO, MEMÓRIA, CIDADE, vão se encontrando e adquirindo sentidos para além das questões acadêmicas. Adquirem a dimensão do vivido. Nessa experiência de caminhante sensível as páginas apresentam também encontros com outras experiências como o livro da historiadora Maria Luiza Ugarte Pinheiro, A Cidade Sobre os Ombros, resultado de sua dissertação de mestrado defendida em 1996. Maria Luiza tece sua pesquisa sobre os trabalhadores do porto de Manaus, os estivadores, como sujeitos de sua própria história e suas organizações políticas. Sobre os lugares públicos do Centro Histórico, o trabalho de Maria Luiza nos mostra como eram utilizados para as reuniões dos grevistas e suas comemorações. E também pelo poder público, como espaço de prática da opressão, quando os grevistas eram impedidos de se reunir em praça pública.



Capa do livro A Cidade Sobre os Ombros

Uma das crônicas de José Aldemir, fala sobre uma pessoa sem rosto, invisível, pois veste um uniforme amarelinho que lhe cobre a individualidade, é uma gari. Lembrei da abordagem de Maria Luiza sobre os estivadores do porto e da dificuldade, na pesquisa, em dar voz e rosto e poder de discurso, a uma massa até então desconsiderada em tantas outras pesquisas. Os trabalhadores urbanos continuam invisíveis. E essas duas leituras se complementam, como também o trabalho de Edinea Mascarenhas Dias, A Ilusão do Fausto. Edinea traz uma outra leitura da cidade da Belle Époque, traz as pessoas e mostra como a organização da cidade vai sendo pensada e executada de modo a excluir, pelo espaço, os grupos que não são bem-vindos à cidade glamourosa.


Capa do livro A Ilusão do Fausto

José Aldemir fala sobre essa diferença social do espaço, diz que "As desigualdades sociais são desigualdades espaciais, porque derivam do lugar onde as pessoas se encontram". Em algumas das suas crônicas sobre o tema ESPAÇO ele deixa claro como essa divisão vai sendo construída ainda hoje, especialmente no texto em que fala sobre um trabalhador que morava de baixo da Ponte da 7 de Setembro.

"A sua breve história retrata a realidade urbana que nos coloca diante de problemas cada vez mais complexos (...). Mas principalmente nos põe diante da constatação de que a cidade é uma mercadoria e como tal possui valor de troca. Quem pode mais tem acesso aos melhores lugares da cidade, quem pode menos tem acesso a lugares restritos e quem nada tem resta como alternativa o não lugar urbano como morar de baixo da ponte".

Todo o trecho da Ponte 7 de Setembro foi REVITALIZADO e transformado em um espaço público e foram construídas casas para as pessoas que moravam nas proximidades. Não sei se todas estão morando ali. Só sei que o espaço foi limpo e as pessoas foram retiradas.

Finalizando, esses três livros nos levam a caminhar pelas ruas de uma Manaus de gente e pelos espaços em que habitam. As diferenças se dão pela construção social dos espaços. E nos habituamos a ela, "nós que passamos apressados pelas ruas da cidade" vamos esquecendo da gentileza de olhar e enxergar o outro. Nos encantamos com o espaço limpo como um cartão postal. Mas esquecemos que ninguém vive em um cartão postal.


Os livros:
Crônicas de Manaus. José Aldemir de Oliveira. Manaus: Editora Valer, 2011.
A Cidade Sobre os Ombros - Trabalho e Conflito no Porto de Manaus 1889-1925. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1999.
A Ilusão do Fausto - Manaus 1890-1920. Manaus: Editora Valer, 2007.

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