Sobre Manaus: por que é mais fácil desistir?

A fila na sombra do poste, uma cena comum nas ruas de Manaus.
Andar de ônibus em Manaus é uma experiência degradante, humilhante, desumana. Principalmente no período do verão, o que significa todo o ano praticamente. O sol é muito forte, um calor insuportável, umidade altíssima. Contra isso não há o que fazer. Mas dá para diminuir o sofrimento da população que precisa usar os serviços de transporte coletivo público. Ônibus velhos, barulhentos, lotados, que demoram a passar. Ruas esburacadas, paradas de ônibus sem proteção, congestionamentos infindáveis. Um verdadeiro caos. Para alguns bairros o caos é ainda maior.

As pessoas que moram nos bairros menos urbanizados são as que mais sofrem. Debaixo desse sol, entrar em um ônibus lotado e demorar mais de uma hora para chegar ao seu destino, parece ser um castigo dado a quem insistiu em nascer em Manaus. O suor banha o corpo, a impaciência toma conta, vem a leseira do mormaço, é impossível resistir e manter uma individualidade. Viramos todos uma massa de desfavorecidos e sem esperança.

Como pensar? Como lutar? Como resistir dia após dia? Costumar-se é uma maneira de sofrer menos.

E eu fico pensando nas pessoas que passam por isso todos os dias. É um pensamento que traz sofrimento, gera revolta. Porque Manaus era pra ser mais humana para essas pessoas. Então, por que não é? Porque a administração pública é muito falha, em todos os níveis.

Funcionários despreparados e sem autonomia conseguem tornar a vida das pessoas que dependem dos serviços públicos, ainda pior. Um carimbo errado, uma informação pela metade, o sistema que falha, a ficha que acabou, o remédio que não tem mais, o auxílio que não saiu.

Às vezes, quem está atrás de um balcão esquece que são pessoas que sofrem que estão do outro lado. Aprenderam a esquecer para manter sua vida melhor. Talvez porque tenham acostumado e entendido que não dá para mudar. Do alto dos cargos, outras pessoas há muito esqueceram o que é não ter atendidos os seus direitos, suas necessidades básicas. E vivem em outro mundo, sem calor, sem roupas encharcadas de suor, sem ônibus lotado, sem fila para pegar uma ficha às 4 h da madrugada, para marcar uma consulta para daqui a 3 meses. Quando eles sorriem, é humilhante! Quando dizem que nossa reivindicação não tem razão de ser e que tudo está bem, a gente fica sem saber se essa pessoa realmente sabe do que estamos falando.

Por outro lado, somos nós que colocamos nossos administradores onde eles estão. E essa ideia de que "cada povo tem o governo que merece", não resolve nada. Só deixa a sociedade mais doente. O povo que caminha para o abismo vai arrastar tudo o mais. São poucas as pessoas com discernimento para perceber, e menos ainda, para ter atitude e tentar fazer alguma coisa efetivamente. Porque o monstro do sistema que se formou é tão gigantesco e devorador de vontades! Por isso é mais fácil desistir. Aliar-se aos que tem ar-condicionado é mais fácil do que tentar lutar ao lado dos andam no sol. Porque esses não lutam mais. A luta diária é sobreviver.

Evany Nascimento

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