Por que eu amo os espaços públicos?
Plaza de Mayo, centro de Buenos Aires, em frente à Casa Rosada |
Por que eu amo ESPAÇOS PÚBLICOS?
Quando se visita uma cidade hoje, é comum a pressa que se alia à possibilidade do registro para ver depois, com mais calma. O caminhar da descoberta é corrido. O olhar busca o monumental, o conjunto ou o que se diferencia dele. Mas é o olhar que rege a exploração. Estar nos espaços só faz sentido se fotografado no espaço, para uma memória externa possível de compartilhamento com outras pessoas. A memória do lugar não se constrói mais no tempo de se estar no lugar. Se constrói fora, no ângulo que favorece uma parte eleita de um todo que o olhar viu mas não transformou em memória interna, porque não houve tempo. Transformou-se em fotografia. Não há mais a fruição do espaço no espaço, senão naquele recorte feito pela fotografia.
Ao se visitar um espaço público, o visitante raro se permite parar, sentar e ficar. Respirar o ar daquele espaço, perceber os diferentes sons e cheiros. Olhar o entorno com calma. A disposição do traçado, para onde se abre, para onde se fecha. Observar as pessoas que passam por ele, como se comportam, o que fazem, como usam os espaços, quem é da cidade e quem está de passagem. Que trajeto se fez até ali. Para onde se vai depois. Que memórias podem ser construídas com e a partir desses elementos, do momento, das sensações. Parar e sentir, muito mais que parar e pensar. Parar e ficar. Parar e viver. Parar para ter memória para contar histórias, mesmo se a imagem faltar. Parar para ser e estar no lugar, mais que passar pelo espaço.
Encontra-se aí a diferença apontada em um texto que li há algum tempo, que falava sobre a diferença entre viajante e turista. O viajante se propõe a caminhar e descobrir a cidade sem pressa. O turista vai correndo para fotografar pontos específicos, a maior quantidade possível. O álbum de fotos da viagem é o troféu final da maratona. Nesse sentido e nesse espaço-tempo contemporâneo, as cidades se oferecem como imagem-cenário, postal para registrar e levar. Importa a maquiagem para a velocidade da apreensão. Porque não há tempo para ver a cidade de ressaca depois do espetáculo, seus cheiros, sujos e rugas. Para que? Quem quer ver? Quem passa quer ver o belo e ser acolhido por essa beleza, pois está buscando também uma fuga do seu mundo, do trabalho, dos problemas. A cidade-postal então é essa que pode ser levada de lembrança, materializando de alguma forma a esperança e o desejo de um mundo melhor, o Paraíso Perdido. Quem passa e quem vive no lugar, bebe dessa mesma esperança. Mas para quem vive no lugar, a cidade amanhecida e cheia de rugas é uma realidade constante e conflitante. Por vezes o postal não faz sentido quando não há espaço para colocá-lo. Quando tudo o mais é ruidoso e feio, não combina. No entanto, se esse espaço estético falta, toda a cidade sente e chora. Porque também é preciso um espaço para o olhar, para o sonhar, para o experimentar o paraíso perdido. A magia dos espaços públicos se encontra nessas percepções, vivências, reflexões. É como um termômetro do que a cidade tem a oferecer, aos seus e aos outros.
É um retrato do que a cidade é e de como quer ser vista por quem passa. Sem espaços públicos a cidade seria uma prisão. Os espaços públicos dão o tom da cidade. Mas para perceber isso é necessário permanecer no espaço. Para que as descobertas aconteçam. Cada espaço tem uma identidade, um ritmo, um humor. Captar isso é se permitir sentir além do olhar. Cada espaço tem uma energia. Descobrir isso é descobrir nosso tempo interior, fora do relógio, fora da agenda. Parar para sentir e construir memórias internas, no coração, na alma. Costurar memórias internas pode nos possibilitar mais equilíbrio e tranquilidade, porque não vai se perder na memória digital. Espaço para ficar, sentir, viver. Por isso eu amo os espaços públicos. É por onde a cidade respira e sorri... e as pessoas também.
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