A arte como patrimônio coletivo - Aula - Material didático
Teatro Amazonas, Centro Histórico de Manaus |
Uma
das minhas grandes paixões ao iniciar o curso de Educação Artística foi o
encantamento com a História da Arte. Não com as teorias da arte ou com os estilos,
pelo menos não no início, o encantamento primeiro foi descobrir que um objeto
pode guardar um mundo de possibilidades de significações. Olhar para os objetos
passou a ser uma aventura cheia de descobertas. Um conhecimento despertado que
se podia ampliar com a pesquisa, com a apreciação, com a reflexão, com a troca
de ideias. O objeto conta histórias. A metodologia da História da Arte foi o
que me acompanhou durante todo o processo de pesquisa com as esculturas do
Centro Histórico de Manaus, desde 1997. Comecei a tratar as esculturas como
objetos que podiam ser medidos, observados, detalhados, mas também como
portadores de memória e significados simbólicos. Esse passou a ser o princípio
da pesquisa sobre Patrimônio, pois os objetos artísticos tem valor histórico e
artístico. No campo do design, que trabalha com a relação do homem com as
coisas, me senti à vontade para também fazer pesquisas.
Então
nesta vivência de alguns anos, venho me deparando com essa ideia do objeto artístico
como patrimônio cultural. E ao reler o livro da Cristina Costa (O belo, a percepção estética e o fazer
artístico) encontro no último capítulo, o subtítulo A arte como patrimônio coletivo. Durante todo o livro a autora fala
sobre as diversas linguagens artísticas, enfatizando a sociologia da arte e a
estética. O encerramento é dizendo que toda essa produção constitui patrimônio
cultural coletivo, pois trata-se de um legado da própria história da
humanidade. E quando nos detemos na tarefa de ler ou tentar interpretar esses
objetos, ampliamos aí a nossa visão de mundo.
Nesse sentido,
PATRIMÔNIO é tratado antes de tudo como herança, legado, bem coletivo. E apresentar a arte, nas suas diversas linguagens, como
patrimônio coletivo da humanidade e suas relações com a educação, pode ser um bom tema para a arte educação. Pensei então em duas categorias muito comuns ao
tema Patrimônio: valor histórico e valor artístico. De modo geral, valor histórico corresponde às
características relacionadas ao tempo histórico da produção da obra e os
acúmulos de memória que esta veio adquirindo; valor artístico, são os elementos
estéticos, que conferem ao objeto o caráter de arte. Pensando que a categoria
VALOR é complexa para uma discussão tão rasa, pode-se pensar na palavra
IMPORTÂNCIA como sinônimo, pois as obras podem ter sua importância histórica e
artística.
Definindo então as delimitações, surgiu a dúvida:
COMO fazer esta abordagem conceitual de uma forma didática e breve ligando às linguagens artísticas? As linguagens
artísticas aqui se referem à área de conhecimento dos PCNs, denominada
Linguagem, Códigos e Suas Tecnologias, onde estão presentes a Língua
Portuguesa, a Língua Estrangeira Moderna, a Educação Física, a Arte e a Informática.
Pensei então na nomeação das artes plásticas e em outras
linguagens artísticas que poderiam compor a lista: literatura, mini-série,
fotografia, escultura, pintura. Totalizando nove linguagens artísticas, um
número bom, que lembra as nove musas, divindades gregas relacionadas às artes,
responsáveis por inspirar o homem a criar. Depois de definida a lista das
linguagens artísticas, o próximo momento é escolher as obras a serem
apreciadas.
Abaixo, apresento algumas possibilidades de leitura para uma aula inaugural sobre as linguagens artísticas, partindo do ponto de que a arte é patrimônio coletivo e analisando duas categorias de valor, valor histórico e valor artístico.
Tecendo as redes...
As
leituras de cada obra estão organizadas da seguinte forma: a linguagem
artística, a obra escolhida e os comentários sobre o valor histórico e o valor
artístico de cada uma delas respectivamente.
1. Literatura: O Retrato de
Dorian Gray
Valor histórico – O livro retrata a sociedade inglesa do século
XIX, nos seus detalhes da vida privada. Oscar Wilde é um crítico dessa
sociedade cheia de regras de fachada e condutas veladas. A obra saiu em volumes
em 1891. Continua como um dos grandes clássicos da literatura universal.
Valor artístico – A narrativa coloca o leitor diante de um
espelho onde ele se vê a si mesmo refletido e com as marcas de todos os seus
pecados.
2.
Música: Ô Abre Alas
Valor histórico – Esta marchinha foi a primeira música feita
exclusivamente para o carnaval (1899), por Chiquinha Gonzaga, para o Cordão
Rosas de Ouro.
Valor artístico – Ainda hoje faz parte do repertório de
carnavais de todo o Brasil, com inúmeras regravações. O verso “Ô abre alas que eu quero passar” traz
um forte significado simbólico que vem conquistando gerações.
3.
Teatro: As folias do látex
Valor histórico – Márcio Souza escreveu esse texto nos anos
1970, momento de instalação da Zona Franca de Manaus trazendo fortes mudanças
urbanas. O espetáculo foi apresentado em 1976, 1978, 1979 e depois em 2006.
Valor artístico – Trata-se de um vaudeville, com trechos
satíricos e irreverentes que vestem a crítica aos costumes da sociedade da
borracha.
4.
Microssérie/Dança: Hoje é Dia de Maria
Valor histórico – Apresenta elementos que vão da linguagem
teatral de bonecos, da dança, do cinema, da fotografia, além do figurino,
música, etc. Em dança, a mini-série pode ser uma referência para a pesquisa de
movimentos que caracteriza cada personagem.
Valor artístico – Uma viagem pelo universo do imaginário e do
simbólico, com canções que nos levam à infância. A fotografia com uma luz que
lembra as pinturas barrocas, é um dos encantos da obra.
5.
Cinema: O violino vermelho
Valor histórico – Filme canadense datado de 1998, do original The Red Violin. Registra momentos como o
trabalho do artesão-artista, do século XVII, passando pela Áustria do século
XVIII, Inglaterra do século XIX e pela Revolução Cultural da China até chegar
ao Canadá. O filme conquistou o óscar de Melhor Trilha Sonora.
Valor artístico – O filme passeia pela estética de vários
períodos, do século XVII à contemporaneidade. A narrativa que conta a história
com o passado como memória que é trazido à tona com as descobertas do
personagem-chave, ajuda o espectador a ir descobrindo junto os segredos do
objeto.
6.
Pintura: Tríptico Portinari dos Uffizi
Valor histórico – O retábulo dos Portinari é considerado único
na pintura flamenga do século XV devido a suas proporções (2.53 x 3.04 cm. Foi
encomendado por Tommaso Portinari, agente geral dos Médicis na cidade de Bruges.
O tríptico chegou em Florença em 1478, permaneceu na Igreja de Santa Maria
Nuova até 1897. Hoje pode ser visto no Museu de Uffizi, em Florença.
Valor artístico – Representa o estilo flamenco; tema comum
representado de forma diferenciada; desarmonia proposital dos personagens; aspecto
simbólico religioso medieval (preocupação com a salvação da alma); disposição
das figuras como a deixar espaço para o espectador também adorar o menino. O
quadro passa a ideia da união de mundos: o terreno e o celestial; a
representação do quadro e o espectador real.
7.
Fotografia: livro “Amazônia – Olhares”, de Ricardo Oliveira.
Valor histórico – O livro retrata a Amazônia com seus elementos
humanos, com sua gente, diferente de outros olhares que a observam apenas do
ponto de vista da natureza. Importante para a percepção do homem da e na
Amazônia.
Valor artístico – A sensibilidade em captar as pessoas é uma
característica do fotógrafo. Isso confere ao trabalho uma forte carga emotiva,
ao menos para quem se identifica com as cenas retratadas, como o senhor que
“salva” o santo da capela inundada pela cheia e da mãe que pacientemente brinca
com seu filho dentro do rio.
8.
Escultura: Diana Caçadora
Valor histórico – A escultura que está na Praça da Polícia em
Manaus, é uma cópia em ferro de uma escultura em mármore que está no Museu do
Louvre, que é uma cópia romana de um original grego. A peça também marca a
ideia de composição de jardim público presente no final do século XIX e início
do século XX em Manaus. Obra em ferro de uma fundição francesa que fechou nos
anos 1980. Trazida para Manaus em 1906. Marca o uso do ferro como material para
a construção de objetos para praças e jardins.
Valor artístico – No mínimo gera questionamento encontrar em
uma praça de Manaus uma obra que nos remete à mitologia grega, com a deusa da
caça e dos bosques. A peça faz parte de um conjunto escultórico temático, com o
Hermes, Ninfa e Cachorro e Javali e Luta. Ainda que possa não ser uma obra
única, por estar há mais de cem anos na praça, já marcou a memória de gerações
como obra que embeleza o lugar.
9.
Arquitetura: Teatro Amazonas
Valor histórico – Marco arquitetônico do ciclo econômico da
borracha em Manaus. Todo o material foi importado da Europa, com exceção da
madeira. Primeira obra da cidade tombada pelo Iphan em 1966.
Valor artístico – Ícone da estética da Belle Époque manauara e
do estilo eclético que marcou a arquitetura da cidade de Manaus no final do
século XIX e início do século XX. Palco dos principais eventos artísticos da
cidade. Tem sua importância atestada como espaço das artes e como obra de arte.
Amarrações...
Do material apresentado podemos resumir que, o valor
histórico de cada uma das obras selecionadas foram comentários relacionados ao
conhecimento, contexto histórico, estando portanto no campo da educação.
Enquanto que o valor estético, partiu da percepção e apreciação artística de
cada uma das obras, constituindo também uma visão particularizada.
Como avaliar?
A avaliação é uma das
partes mais complexas do processo ensino-aprendizagem, eu encaro como uma
continuação do aprendizado. Para este esquema de aula pode ser recuso
avaliativo a Participação, pois a
aula pode ser dialogada. Outro recurso é a Pesquisa,
selecionando-se um ou mais elementos para que os alunos façam novas
investigações individualmente ou em grupo. Eu também gosto muito de usar os
jogos como instrumento didático e avaliativo, então, poderia construir (ou os
próprios alunos, depois da pesquisa), um Jogo
no estilo do Perfil, onde 10 dicas são dadas sobre um determinado objeto até
que o jogador acerte do que se trata. Ainda caberia uma Gincana entre grupos na
sala de aula, com a imagem dos objetos abordados ou questões para que os grupos
respondessem dentro de um tempo cronometrado.
Abrindo caminhos...
Abrindo Caminho é o título de um livro
de Ana Maria Machado, que fala de ponte, estrada e avião que abrem caminhos.
Esta aula bem que poderia ser também uma ponte para novas pesquisas e
descobertas no campo das linguagens artísticas. Muitas foram abordadas e podem
ser aprofundadas. No campo prático e fértil da arte educação, esta poderia ser
uma aula introdutória sobre as linguagens artísticas e a partir dela, serem
trabalhadas uma a uma e com a devida atenção, o teatro, a música, o cinema, as
artes plásticas, a dança... Uma aula que não se fecha, ao contrário, abre
caminhos.
REFERÊNCIAS:
COSTA, Cristina. O belo, a percepção estética e o fazer
artístico. São Paulo: Moderna, 2004.
LEITE, Maria Isabel. Educação e as linguagens
artístico-culturais: processos de produção e apropriação cultural de alunos e
professores. Relatório de pesquisa. Programa de Pós-Graduação em Educação,
Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC. Disponível em: http://www.gedest.unesc.net/relatorios/relat_educalinguagens_2004pos.pdf
MACHADO, Ana Maria. Abrindo Caminho. São Paulo: Ática, 2008.
OLIVEIRA, Ricardo. Amazônia – Olhares. Manaus: [s/n], 2011.
SOUZA, Márcio. As Folias do Látex. Manaus: Valer, 2007.
WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Gray. São Paulo:
Nova Cultural, 2003.
WORMS, Luciana Salles, COSTA,
Wellington Borges. Brasil Século XX: ao
pé da letra da canção popular. Curitiba: Nova Didática, 2002.
Filmes:
Hoje é Dia de Maria, 2005. Globo
Marcas. 9h26min.
O Violino Vermelho. 1998. New Line Productions.
130min.
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