A cidade flutuante que resiste em Manaus

A cidade flutuante existiu em Manaus após o declínio do ciclo da borracha até meados de 1956, quando foi desmontada por ordem judicial. Era um aglomerado de casas em estrutura flutuante que se alargava na entrada da cidade. Milton Hatoum descreve-a em seus livros, com ruas feitas com tábuas onde as pessoas passavam se equilibrando. Há alguns postais que mostram essa cidade e quem vê apenas as imagens não imagina que ela realmente existiu, tanto que virou lenda. Mas a verdade é que a cidade flutuante nunca deixou de existir. Ela foi instalada na beira dos igarapés e nos bairros que margeiam o Centro de Manaus. São casas de madeira muito altas, preparadas para enfrentar a subida do rio. Pelo menos eram assim. Mas agora, ou o rio está subindo acima do que costumava subir nos anos anteriores, ou as pessoas desaprenderam a técnica de construção e a altura que devem ter essas casas, ou são outras as pessoas pobres que não conhecem a realidade da região, com períodos de cheia e seca. O fato é que centenas de pessoas vivem em situação de pobreza nesses lugares. No texto do Portal Amazônia, percebe-se os números e a resposta das autoridades. Para os moradores, a cheia não é o maior drama. Eles sabem que o rio enche e seca. Por isso há otimismo em alguns depoimentos, porque se não houver, não há como viver ali. Mas o que choca nessa matéria são as fotos. Principalmente a primeira, em que aparece uma senhora de 91 anos e que mora sozinha em uma casa que está prestes a alagar. Ela mora com cinco gatas. Na foto, ela sorri. O sorriso dela é uma resposta a todos os discursos de 'aluguel social', cadastro para pessoas em área de risco, investimento em infraestrutura da cidade, estatuto do idoso, investimento para as cidades afetadas pela cheia e todos as promessas de diminuição da pobreza. O sorriso dela é de alguém que já viu tanta cheia e seca e tanta promessa, que não se surpreende mais. Ela está sentada em uma cadeira de macarrão e veste uma bata branca.  Ao seu redor alguns poucos objetos ajudam a compor o cenário de pobreza. Na parede, sapatilhas de borracha e parte de um cartaz da última eleição. Do lado de fora o alagado e os três níveis de ponte, incluindo a mais recente, com tábuas novas. No meio disso tudo ela sorri, sem dentes. Sobre a mesa, um 'santinho' da igreja... a fé que alimenta e cega. Mas, ver para que? Ela sorri. A indignação toda está concentrada no olhar da Nina, a gata.

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16 de junho de 2013 - atualizado as 11:04

Famílias vivem em casas alagadas por temer saques durante cheia em Manaus

Moradores de áreas inundadas pelo rio Negro, na capital do Amazonas, relutam em deixar suas residências para evitar assaltos.

 Izinha Toscano - jornalismo@portalamazonia.com
MANAUS – Aos 91 anos de idade, a aposentada Sofia Rodrigues da Silva é moradora de um dos becos do bairro Presidente Vargas há mais de 30 anos. No ano passado, quando o rio Negro atingiu nível recorde – 29,97 metros – a aposentada deixou sua residência de madeira para evitar contato com água contaminada e entulho por apenas dois dias. O curto período em que passou na casa de uma “irmã de fé” foi suficiente para ter sua moradia assaltada.
“Levaram meu guarda-roupa, todas as minhas roupas e meu aparelho de som onde eu ouvia os hinos da igreja”, lamentou. “Agora não saio mais daqui com medo de quando voltar, não ter mais nada”, garantiu. Otimista, ela divide sua casa, cercada pelo rio Negro e por lixo urbano, com cinco gatas e Deus. “São minha companhia”.
Sofia é o exemplo claro de que, além de gerar prejuízo e desconforto para moradores em áreas de risco, a subida do nível do rio Negro – que nesta sexta-feira (14) atingiu 29,33 metros – deixa as famílias temerosas quanto a saques durante a elevação dos rios. A relutância em deixar suas moradias faz com que os possíveis beneficiários do aluguel social da Prefeitura de Manaus recusem o auxílio de R$ 300 e não busquem outro local para viver durante o período da cheia dos rios amazônicos.
Dona Sofia, 91, e Nina, uma de suas companheiras na casa alagada. Foto: Izinha Toscano/Portal Amazônia
Dona Sofia, 91, e Nina, uma de suas companheiras na casa alagada. Foto: Izinha Toscano/ Portal Amazônia
A emprega doméstica Maria Onésima Martins, 41, reafirmou a ocorrência de furtos em casas vazias durante a cheia. “É uma prática comum”. Moradora da comunidade Bariri, no bairro Presidente Vargas, há 30 anos, ela conta que não sai de sua casa, atingida pela subida das águas, para evitar a situação. “Como o aluguel social não me beneficiou, se eu for para casa de parentes não posso levar tudo. Por isso que eu não deixo a minha casa, porque vai ficar coisa pra ser roubada”.
Para o catador de resíduos sólidos Luis Carlos Lopes, 53, morador do bairro Presidente Vargas há 8 anos, os saqueadores de residências são da vizinhança. “É gente de perto que sabe que a casa tá vazia. Já vi família ter a casa esvaziada. Os ladrões fazem verdadeiras mudanças”, relatou. Com a casa tomada pela água, ele disse acreditar que “mesmo se sair levando tudo, alguém vai entrar e saquear a casa”. A saída para o problema, para o catador, é “aguentar o sufoco até a água baixar”.
Luis Carlos, 53, mostra sua casa. O quintal, alagado, serve de depósito para o lixo coletado. Foto: Izinha Toscano/Portal Amazônia
Luis Carlos, 53, mostra sua casa. O quintal, alagado, serve de depósito para o lixo coletado. Foto: Izinha Toscano/ Portal Amazônia
No bairro Educandos, o medo também toma conta dos moradores de áreas inundadas. O casal de vendedores Mayane Magalhães, 17, e Dione Soares, 34, testemunharam o caso de um vizinho que perdeu seus pertences na cheia histórica de 2012. “Levaram desde os móveis aos utensílios de cozinha. Depois disso ele se mudou”, contaram.
A Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos (Semasdh), responsável por cadastrar famílias em situação de risco para receberem o aluguel social, informou que tem encontrado famílias que se recusam a sair do local em que residem mesmo com suas casas alagadas ou prestes a alagarem. Com estas pessoas, a secretaria faz trabalho de convencimento a respeito do risco que correm. Caso insistam em persistir, os moradores perdem o direito do benefício.
Ao recusar sair de suas casas, moradores perdem direito a auxílio e permanecem morando em meio ao lixo acumulado e água contaminada. Foto: Izinha Toscano/Portal Amazônia
Ao recusar sair de suas casas, moradores perdem direito a auxílio e permanecem morando em meio ao lixo acumulado e água contaminada. Foto: Izinha Toscano/ Portal Amazônia
Aluguel social
A Semasdh comunicou, ainda, que cabe à Defesa Civil do Município estipular quais residências estão em situação de vulnerabilidade extrema e têm direito ao aluguel social. Já a secretaria é responsável pelo cadastro e levantamento socioeconômico dos atingidos pela cheia.
Na capital do Amazonas, a Semasdh cadastrou mais de 2,3 mil famílias em situação de risco. Destas, 1,6 mil receberam o benefício de R$ 300. Os bairros que receberam o serviço foram Glória, São Jorge, Educandos, Presidente Vargas, Aparecida, Raiz, Mauazinho, Betânia, Tarumã, Centro, Compensa 2 e 3, São Geraldo, Colônia Antonio Aleixo e Puraquequara.
O delegado titular da Delegacia Especializada de Roubos, Furtos e Defraudações (DERFD), Orlando Amaral, ressaltou que a população pode tomar alguns cuidados para evitar furtos em residências vazias. “O adequado é colocar sistemas de vigilância eletrônica, como câmeras e cercas elétricas. Mas para essa situação específica é aconselhável pedir para vizinhos olharem a casa, deixar uma luz acesa ou até deixar alguém tomando conta da casa”, indicou.

Comentários

  1. "São casas de madeira muito altas, preparadas para enfrentar a subida do rio. Pelo menos eram assim. {...}"
    na verdade as casas flutuantes não precisam ser construídas altas, pois como o próprio nome já diz, ela é flutuante, e conforme o rio sobe, a casa flutuante também sobe. talvez você esteja se confundindo com casas palafitas, essas sim precisam ser construídas altas

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    1. Oi, Solange.

      Boa observação! Realmente há grande diferença entre as palafitas (das quais especificamente trata a matéria) e a cidade flutuante propriamente dita, a qual me referi e que você tem razão ao dizer que não precisam ser construídas altas. No entanto, eu usei de licença poética (se é que posso chamar assim), ou metáfora, para me referir a essa realidade tão próxima. Talvez eu tenha que rever a forma de escrita para deixar mais claro isso. Mas não o farei agora. Aproveitarei o seu comentário para um novo post.

      Obrigada pela visita e pelos preciosos comentários!
      Até mais.

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