2021 é 100 - Desafio Literário - JANEIRO: livros teóricos

Livros teóricos lidos em janeiro 2021
 

Esse mês de janeiro foi bem fértil para as leituras teóricas. Inseri no horário de trabalho e isso me oportunizou até 4h de leitura diária. O tema foi história cultural e o autor Peter Burke. Tenho sete livros dele e resolvi ler todos. Já consegui ler quatro e espero ler os outros três no mês de fevereiro. Por que essas leituras? Para me ajudar com a revisão das produções do projeto de pesquisa Iconografias Urbanas e para me ajudar a me localizar teoricamente como pesquisadora, uma vez que percebo meus interesses situados no campo da história cultural. 

Também adquiri no final do ano passado quatro livros do Roger Chartier, sobre leitor, leitura e escrita, pensando em me aproximar mais do campo das Letras, departamento que me acolhe na Universidade do Estado do Amazonas. E para minha surpresa (porque não conhecia ainda esse autor), pelo Peter Burke, em O Polímata, descubro que Chartier é um polímata e historiador da leitura. Por isso iniciei a leitura dele em paralelo com Burke. 

Então, vamos aqui às minhas descobertas e impressões de leitura. Não se trata aqui de um fichamento, apenas apontamentos sobre o que li. O fichamento pode ser anexado posteriormente, pois estou fazendo anotações em um caderno e transcrevendo trechos importantes. 

Testemunha ocular

Testemunha Ocular - Peter Burke

 

Testemunha ocular: o uso de imagens como evidência histórica
Editora Unesp, 2017
318 páginas

Foi uma leitura deliciosa e muito esclarecedora. Fiz marcações (com lápis) ao longo de todo o livro e transcrevi a maior parte dessas marcações. O Peter Burke é muito didático na forma como escreve, como eu pude ir observando nos demais livros também. Ele apresenta o tema, depois traz vários apontamentos para compreender esse tema, divididos em tópicos e ao final, sempre traz uma síntese, também dividida em tópicos para a compreensão geral do que foi exposto. O livro traz muitas imagens em preto e branco.

"Pinturas, estátuas, publicações e assim por diante permitem a nós,
posteridade, compartilhar as experiências não verbais ou
conhecimento de culturas passadas"
. pág. 24

"A proposta essencial que este livro tenta defender e ilustrar
é a de que imagens, assim como textos e testemunhos orais,
são uma forma importante de evidência histórica"
. pág.25
 

Uma das partes principais do livro, para o trabalho que estou desenvolvendo, foi a análise de métodos de análise de imagens, apontando (na perspectiva da história cultural) suas potencialidades e limitações. E isso inclui o método desenvolvido por Panofsky de Iconografia e Iconologia, que usamos no Iconografias Urbanas. A leitura de Burke me ajudou a compreender que eu já usava este método associado a outros. Agora eu preciso revisar o capítulo metodológico do projeto e inserir essas variantes que ajudaram a construir o nosso método para analisar as imagens das ruas da Região Metropolitana de Manaus.

O livro também ajuda a reafirmar que tudo é processo, tem sempre referência anterior. Os métodos, as estruturas de pensamento, os textos, as imagens, as dinâmicas de pesquisa. Estudar as imagens na perspectiva da história cultural está relacionada à base metodológica que adotamos para o projeto: a intertextualidade de Quantin Skinner. Como se pode perceber no trecho abaixo:

"É também contextualizar a narrativa. Em outras palavras,
historiadores - como de costume - têm de se questionar
sobre quem estava contando a história, desde modo,
e para quem, e quais poderiam ter sido suas intenções ao assim fazê-lo"
. pág. 230.

Como opções às limitações da iconografia e iconologia, Peter Burke propõe a psicanálise, a semiótica e a história social da arte. Mas ainda apresenta as limitações da psicanálise e semiótica. E o que percebi é que é possível construir um método de análise observando diferentes abordagens que saem da história social da arte, mas que podem ter elementos de outros métodos. 

Ao final, o autor ainda comenta sobre a complexidade das imagens e dos seus processos de análise.

"O ponto de vista que eu utilizei para escrever este livro é que as imagens não são
nem um reflexo da realidade social nem um sistema de signos sem relação com
a realidade social, mas ocupam uma variedade de posições entre esses extremos.
Elas são testemunhas dos estereótipos, mas também das mudanças graduais,
pelas quais indivíduos ou grupos vêm o mundo social, incluindo
o mundo de sua imaginação"
. pág. 275
 

 

O polímata 

O Polímata - Peter Burke
 

O polímata: uma história cultural de Leonardo da Vinci a Susan Sontag
Editora Unesp, 2020
496 páginas

Fiquei encantada com esse livro desde que vi o anúncio de lançamento. Fiz o pedido e ele chegou exatamente no dia 31 de dezembro. Eu sabia que o leria logo nos primeiros dias de janeiro, tanto era a minha curiosidade quando li a sinopse e entendi o sentido de polímata como aquele pesquisador/artista/indivíduo interessado em diferentes temas de leitura/pesquisa/trabalho. Eu me entendo como alguém muito curiosa e que busca diferentes temáticas e as percebe em conexão entre si. Eu precisava entender onde isso se encaixava na história da ciência. Me encontrei! (Obrigada, Peter Burke! Te amo!).

O livro traz um bloco de páginas em papel couchê colorido, no meio do livro, com os retratos de alguns dos polímatas que o autor vai citando ao longo da narrativa. E são muitos! Além de contar de forma cronológica a história dessas pessoas, suas pesquisas, trabalhos publicados, dificuldades de se inserir no contexto das ciências e as contribuições que prestaram para diferentes áreas, traz ao final muitas referências. Começa com uma lista de cronológica de 500 polímatas e eu fui marcando os que conhecia (que já tinha lido alguma coisa dele(a) ou sobre ele(a)).  As referências bibliográficas somam 73 páginas. 

Um ponto que chama a atenção é a presença das mulheres como essas pesquisadoras ou intelectuais que se interessavam por várias áreas do conhecimento e que produziram estudos importantes, mesmo num tempo em que o espaço social destinado à mulher era mínimo. O que mais se vê entre os polímatas são homens ricos ou que herdaram herança e que se dedicavam única e exclusivamente aos estudos. Quanto às mulheres, algumas precisaram se trancar nos conventos para poder estudar, pois o casamento e as imposições que vinham com ele, tiravam completamente essa liberdade para a produção científica. (Tão contemporâneo!)

Peter Burke traça um perfil do polímata citando algumas características comuns a eles, como a boa memória, a dedicação ao trabalho, a inquietação, a imaginação e a criatividade. Também cita as condições sociais, as estratégias de formar grupos e clubes para trocas de ideias, a importância de ter uma biblioteca ou acesso a ela e os espaços que as instituições vêm dando a esses profissionais ao longo do tempo. 

O livro me fez perceber que muitos dos autores que leio e admiro são polímatas (Charles Sanders Peirce, John Dewey, Max Weber, José Ortega y Gasset, Walter Benjamin, Lewis Mumford Mortimer J. Adler, Theodor W. Adorno, Ernst Hans Gombrich, Darcy Ribeiro, Michel de Certeau, Michel Foucault, Umberto Eco). E isso já me fez incluir outros na minha lista de leituras (John Ruskin, Mikail Baktin, Jorge Luis Borges, Gilberto Freire, Paul Ricoeur, Roland Barthes, Pierre Bourdieu).

É uma forma diferente de estudar sobre a história do conhecimento e das ciências. Fiz a leitura com marcações (a lápis) ao longo do livro. Destaco alguns trechos aqui.

(O Peter Burke assistiu palestras do Tolkien sobre literatura medieval!!!)

"... À medida que a divisão do trabalho intelectual se intensificou, até mesmo os polímatas
se tornaram um tipo de especialista. Muitas vezes, eles são conhecidos como "generalistas",
porque o conhecimento geral, ou pelo menos o conhecimento de muitas disciplinas,
é sua especialidade. Sua contribuição distintiva à história do conhecimento é enxergar
as conexões entre os campos que foram separados e observar o que os especialistas
de determinada disciplina, os insiders, não conseguiam ver"
. pág. 25

"A ideia de que os polímatas são dotados de imaginação fértil e criativa é corroborada
pelo fato de que vários deles, entre outras realizações, publicaram poemas"
. pág. 271 

"Os polímatas irão sobreviver? Ou a espécie está prestes a se extinguir? (...) pág. 367

"Novos desafios exigem novas respostas, então devemos depositar nossas esperanças - se
formos otimistas - na geração digital. De qualquer forma, uma elegia para a espécie ainda é
prematura. Até mesmo porque, dentro da atual divisão do trabalho intelectual, ainda
precisamos de generalistas, no sentido de indivíduos capazes de perceber aquilo que,
no século XVII, Issac Barrow chamou de "conexão das coisas e dependência de noções".
Como Leibniz declarou certa vez, "precisamos de homens universais. Pois aquele que
consegue ligar todas as coisas pode fazer mais que dez pessoas". Em uma era de
hiperespecialização, mais do que nunca precisamos desses indivíduos"
. pág. 367

Essa leitura me aguçou mais ainda a vontade de estruturar e sistematizar a minha formação e áreas de interesse. Coisa que eu já vinha fazendo a algum tempo para responder às perguntas: Por que eu trabalho dessa maneira? Quem são minhas referências? De onde elas vêm? Adoro quando um livro me inquieta assim!

 

O que é história do conhecimento

O que é história do conhecimento - Peter Burke
 

O que é história do conhecimento
Editora Unesp, 2016
212 páginas

Ler esse livro logo após O Polímata, foi bem interessante porque o Peter Burke vai citando muitos acontecimentos e autores que já havia citado no outro. É realmente uma continuação de leitura. Me fez querer ler mais sobre história da leitura, da educação e das ciências. Me fez entender mais como processos de pesquisa, instituições, contexto local e temporal vão moldando os rumos da ciência e do conhecimento, dando origem a novas disciplinas e áreas de pesquisa. O conhecimento e todas as teorias que às vezes simplesmente adotamos como fato, algo posto, são ideias construídas social, cultural e temporalmente. E isso é fantástico de perceber! Porque tudo pode ser questionado e refutado. Nada é. As coisas estão.

O que é história cultural

O que é história cultural - Peter Burke
 

O que é história cultural
Editora Zahar, 2008
212 páginas

Um tema bastante complexo porque não há inclusive concordância em relação à história cultural como grande área, mas ela garante a possibilidade de diferentes abordagens que já estão se tornando independentes e gerando novas áreas. Me encontrei em muitos desses segmentos. E tenho outro livro que o Peter Burke organizou, com uma série de artigos falando sobre isso - A escrita da história

Me fez perceber que estou cada vez mais próxima da história cultural e que isso começou com meus interesses em história da arte e a necessidade de ir complementando com a história da alimentação, a história do dinheiro, a história do corpo, a história da leitura... E por todo o meu interesse em sociologia, antropologia, comunicação, psicologia...

Em alguns momentos interessantes da leitura, o Peter Burke citava um livro, autor ou temática e eu olhava para a minha estante e já fazia a checagem: esse eu tenho. É maravilhoso ter uma biblioteca em casa!

Estou cada vez mais apaixonada pelo estudo da história cultural, como o autor define ao final do livro:

"Uma conclusão que poderíamos extrair dos debates sobre cânones e multiculturalismos
é que, embora não possamos esperar que os historiadores culturais resolvam
os problemas contemporâneos, o estudo da história cultural deveria permitir às pessoas
pensar sobre algumas dessas questões de maneira mais lúcida. Como o historiador
brasileiro Gilberto Freyre sugeriu 60 anos atrás, enquanto a história política e militar,
empreendida num estilo nacionalista, muitas vezes separa as pessoas, "o estudo da
história social e cultural" é ou poderia ser uma maneira de "aproximar pessoas" e abrir
"vias de compreensão e comunicação entre elas"
." pág. 180

Me sinto representada nessas palavras porque minha ânsia nas leituras e a partir delas, nos trabalhos, nas aulas, na forma como eu organizo meu pensamento é na ideia de "juntar as coisas e as pessoas".

A aventura do livro

A aventura do livro - Roger Chartier

A aventura do livro: do leitor ao navegador
Editora Unesp, 1999
160 páginas

Como já revelei em postagens anteriores, adquiri ao final do ano passado quatro livros do Roger Chartier relacionados à temática do livro e leitor, para me aproximar mais desse autor de referência para o campo das Letras. Mas descobri lendo o Polímata, que ele era um desses pesquisadores inquietos e que se envolvia com diferentes temáticas, sendo um dos campos de destaque a história da leitura. Então iniciei com esse que é o livro mais antigo que tenho dele. Organizei então a leitura de forma cronológica.

O livro é lindo, todo em papel couchê lustroso! Letras grandes, muitas imagens coloridas em página inteira e página dupla. Isso torna a leitura muito rápida! Eu fiz duas leituras. Primeiro com o texto escrito, depois voltei e fui lendo as imagens e as notas sobre elas. Fiz várias marcações com post its plásticos coloridos, porque esse tipo de papel não permite ser riscado com lápis.

O livro é divido em algumas temáticas e orientado por perguntas ou comentários de Jean Lebrun, aos quais Roger Chartier vai comentando.A gente entende os processos de leitura, a adequação do leitor aos diferentes suportes, a necessidade de manter uma biblioteca organizada. (Vou fazer uma "limpeza" nas minhas estantes, para deixar só os livros com os quais realmente estou trabalhando e que me servem de referência. Qualificar meu acervo!).

Evany Nascimento - super em casa

Eu me sinto super, quando tenho esses encontros felizes com os livros. Essas leituras abrem a mente, fazem a gente se apaixonar cada vez mais por essa aventura do conhecimento. A retomada das leituras teóricas me trouxe de volta as alegrias do doutorado. É como se eu estivesse agora fazendo um pós-doc durante a pandemia, com os livros que estão na minha estante. É maravilhoso!

Até a próxima!

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Acompanhe também as outras postagens sobre o Desafio Literário no mês de janeiro:

2021 é 100 - Desafio Literário - JANEIRO

2021 é 100 - Desafio Literário - JANEIRO: literatura indígena - Yaguarê Yamã

2021 é 100 - Desafio Literário - JANEIRO: literatura indígena - Tiago Hakiy

2021 é 100 - Desafio Literário - JANEIRO: livros da TAG Curadoria 

2021 é 100 - Desafio Literário - JANEIRO: literatura infantojuvenil

 

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