Homenagem à geógrafa Bertha Becker, estudiosa da complexidade da Amazônia

Ainda não tinha ouvido falar em Bertha Becker, até me deparar com a Revista Valer Cultural, Ano I nº 3 - dezembro/2012. A equipe da VC foi entrevistá-la no Rio de Janeiro, em Copacabana, onde morava esta geógrafa doutora em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi com  a leitura da matéria de capa da revista "Amazônia exige nova geografia - Bertha Becker", que passei a conhecer um pouco sobre as ideias desta geógrafa que há décadas se dedicava às pesquisas sobre a região amazônica, entre outras coisas. A notícia de seu falecimento me entristeceu um pouco. Nem tive tempo ainda de ler mais sobre suas pesquisas. Mas estas ficam, mesmo que a vida passe.

Então, fiquei feliz hoje com o artigo do nosso geógrafo José Aldemir de Oliveira, que tece comentários sobre as contribuições das pesquisas de Bertha Becker, para os estudos sobre a complexidade da Amazônia.


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D 24
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Tributo a Bertha Becker

Faleceu na última sexta-feira a geógrafa Bertha Becker, professora cativante e cientista fecunda, irrequieta e convicta de suas ideias. Não fazia concessão a críticas de seus pontos de vista, defendia-os sempre com competência e tenacidade.
Bertha Becker se interessou desde cedo pela Geografia Política e vem de uma geração de geógrafos formados sob influência de mestres estrangeiros, no caso da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, onde pontuavam dentre outros o americano Hilgard O´Reilly Sternberg, o qual, nos anos 50, conduziu pesquisas na Amazônia que resultaram no livro “A água e o homem na várzea do Careiro”, do qual foi assistente. Vem dessa formação a preocupação de Bertha Becker com as pesquisas sobre a Amazônia e o rigor sempre cultuado pelo trabalho de campo para compreender a realidade, pois, como escreveu certa vez, “tenho imensa gratidão às populações desse Brasil imenso que, expondo suas histórias de vida, oferecem contribuição insubstituível para o conhecimento dos processos de transformação em curso no país”.
Bertha Becker deixa uma obra importante sobre a Amazônia que começa em 1982 quando publica seu primeiro trabalho de fôlego sobre a região, o livro “Geopolítica da Amazônia”, até o recém-lançado “A urbe amazônida entre a floresta e a cidade”.
Seus estudos demarcam o modo diferenciado como a Geografia analisava a Amazônia até então. Grosso modo, pode-se sustentar que os estudos geográficos sobre a Amazônia se agrupam em quatro fases: 1) Os estudos conduzidos por geógrafos europeus em que a Amazônia era vista de modo homogêneo, sem identificar as diversidades existentes nas diferentes áreas; 2) Estudos específicos que por serem pontuais não faziam a articulação do todo, como nos importantes trabalhos de Antônio Teixeira Guerra no campo da Geomorfologia, Antônio Rocha Penteado sobre Geografia Urbana e o de Hilgard O´Reilly Sternberg já citado; 3) Trabalhos com boa base empírica e teórica sobre áreas específicas, fazendo articulação com toda a região sem deixar de identificar as especificidades, nos quais aparece o pensamento crítico sobre o modo como se produzia o espaço na Amazônia. Dentre os vários trabalhos importantes e de diferentes matizes teóricas estão os de Orlando Valverde, Aziz Ab´Sáber e Bertha Becker; 4) Seguem-se trabalhos de grau, dissertações e teses de Geografia apresentadas em vários cursos de pós-graduação no Brasil com destaque para as primeiras gerações de geógrafos formados na Região a partir do anos de 1980.
Em todos os estudos de Geografia e de outras áreas do conhecimento que tratam da espacialidade amazônica, produzidos a partir dos anos 1970, os escritos de Bertha Becker têm sido considerados, para reafirmá-los ou contestá-los, como ocorre com todo trabalho científico relevante.
Mais do que uma grande cientista que se dedicou a estudar a Amazônia, Bertha Becker foi testemunha da história de transformações ocorridas na Região e contribuiu para a compreensão da dinâmica territorial pontuada pelo conceito de fronteira enquanto espaço não plenamente estruturado e, por isto mesmo, potencialmente gerador de realidades novas e de conflitos que geram mudanças estruturais com formas diferenciadas de uso do território capazes de favorecer a inclusão social e a soberania brasileira na Amazônia.
Nas suas últimas publicações defende de modo veemente a Ciência, a Tecnologia e a Inovação como propulsoras do desenvolvimento do país e da Amazônia. Para ela, a CT&I tiveram papel central na posse, expansão e consolidação da fronteira amazônica desde a colônia pela possibilidade de transformar recursos em riquezas. A grande questão, segundo ela, é que não se concebeu as atividades de CT&I como estratégicas num processo abrangente que envolve a pesquisa, o conhecimento e aplicação por meio da inovação para gerar novos produtos e processos em todos os campos da vida e da atividade humana, capazes de inserir a região numa dinâmica virtuosa e eficaz de desenvolvimento com a garantia de equilíbrio ecológico, sustentabilidade econômica e justiça social.
Bertha Becker foi uma pesquisadora comprometida com as atuais e futuras gerações. Suas investigações sobre a Amazônia estavam voltadas para homens e mulheres que aqui vivem e para quem, na sua visão, a Geografia e a História devem ser feitas.
Tive o privilégio de trabalhar com ela em dois projetos de pesquisas e em ambos demarcamos posições divergentes, mas sempre respeitosas, de quem faz ciência para o futuro e tem compromissos com o presente. A morte de Berha Becker significa uma perda para a ciência do Brasil e deixa lacunas nas buscas de desvendarmos a complexidade da Amazônia.

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