VIDA DE PROFESSORA: A SAGA

Evany Nascimento - Professora desde 1999.

 

Hoje me peguei pensando
No que é ser Professora
Os problemas que enfrentamos
Mesmo quando se é doutora
O trabalho não se esgota
Até depois de lançar nota
E pior quando se é genitora

 

Vou contar então essa saga
Bem do meu ponto de vista
Alguns podem dizer que é praga
Outros podem anotar a lista
Dos desprazeres que somam
À vida dos que tomam
Profissão não tão bem quista

 

A FORMAÇÃO

Quem olha de fora não vê
Esse trabalho exaustivo
Pensa, supõe e até crê
Que conhecimento é contemplativo
Que não precisa dedicação
Ler não é só decodificação
É um trabalho reflexivo

Aprender esse ofício
Requer anos de estudo
Preparação e sacrifícios
Para entrar nesse outro mundo
Precisa investimento
Custa caro esse tempo
E não se chega a aprender tudo

Para se formar professor
Tem que fazer Licenciatura
Esse desafio exige amor
E uma boa dose de loucura
São quatro anos de curso
Uma vida nesse percurso
Uma estrada que não é segura

Disciplinas sérias, complexas
Fazemos em cada período
Costurando leituras conexas
E até as que não fazem sentido
Trabalhos, pesquisas e provas
Até saírem as boas-novas:
Próximo período garantido!

É muita correria que passa
O estudante que faz essa escolha
Talvez você até ache graça
Ou quem sabe me acolha
O licenciando entre tantos
Que escolheram outros recantos
Precisa encontrar a sua bolha

E suportar todavia
Chacotas que possa sofrer
Por escolher entre as que havia
Essa carreira para viver
Se apoiar nos amigos loucos
Que vai encontrar pouco a pouco
E vão dizer: Estamos com você!

 

PROCURANDO EMPREGO

Depois de formado começa
A correria por um emprego
Quem sai da faculdade tem pressa
Não tem um dia de sossego
Não tem mais meia-passagem
A realidade é a mensagem:
- Agora é contigo, meu nêgo!

Os estágios até ajudam
A encontrar portas abertas
Mas se de categoria mudam
A porta já é incerta
Pra estagiário tem vaga
Mas pro formado, nem água
Nessa sala tão deserta

O concurso é opção
Que o licenciado procura
Segurança, salário na mão
Sem precisar de aventura
Mas concurso não tem todo dia
Esperar é uma agonia
Uma verdadeira tortura

E muitas vezes acontece
Do licenciado assumir
Mesmo atendendo à sua prece
Várias escolas pra seguir
Carga horária pequena
Correria que não vale a pena
Mas é o que se tem por aqui

E assim vai abrindo caminho
Sua estrada de chão batido
Não se sente mais tão sozinho
Pois outros caminham consigo
A categoria se mostra
Nesse jogo uma boa aposta
Sua classe é seu partido

 

NA SALA DE AULA

Quando chega na sala de aula
Outros desafios se apresentam
Pra começar é preciso ter calma
Respirar, não perder o alento
Lidar com crianças e jovens
E toda a energia que os movem
Requer sabedoria e talento

Às vezes a impressão
Que se tem nessas horas
É que não houve preparação
Para enfrentar o que tem aqui fora
O mundo em constante mudança
Produz diferentes crianças
Não vale a pedagogia de outrora

E o professor vai ajustando
O conhecimento recebido
As brigas que vai apartando
Nesse cotidiano vivido
A realidade da escola
Nem sempre tá na sacola
Dos teóricos que tinha aprendido

Cada realidade um contexto
Que é preciso interpretar
Mais difícil que o complicado texto
Que ele um dia teve que fichar
Mas a experiência vai se instalando
A cada ano que vai passando
Até você se acostumar

E ganhar mais confiança
No ofício de todo dia
Até o pavor ser uma lembrança
Que ao chegar você sorria
Sala de aula ensina
Tanto quanto desanima
Mas é um espaço de alegria

 

E O SALÁRIO

Essa profissão desmotiva
Quando o salário cai na conta
Porque se tem uma perspectiva
Que os valores não dão conta
Querer comprar material
Para uma aula especial
Se olha o contracheque, desmonta

E os livros para ampliar
O conhecimento adquirido?
Pois o mundo está sempre a mudar
As estratégias seguem o ocorrido
Não se pode parar no tempo
E é preciso mais investimento
Se é outro o espaço preterido

Quem é sozinho investe
Que tem família divide
O salário entristece
Porque não é emprego-cabide
Se trabalha muito sempre
Até quando se está doente
Na escola é onde mais se reside

E o pior dos sofrimentos
É fazer comparação
Do salário que recebemos
Com outros tipos de profissão
Fica estampado o descaso
Com toda a educação, no caso
Como alicerce de uma nação

O descaso já é o projeto
Que se instalou e ainda segue
Que nos trata como objeto
De pouco valor, não se negue
Para seguirmos amarrados
Oprimidos e alienados
Reclamando desse perrengue


MAS ENTÃO?

Se é tudo isso de horror
Por que a profissão escolheu?
Sei lá foi um momento de torpor
Uma leseira que me deu
Eu queria ser cientista
Tinha outras opções na lista
Mas a Licenciatura venceu

Escolhi a Licenciatura
Achei a palavra bonita
Não imaginei uma vida dura
E sim possibilidades infinitas
Quando se está estudando
Nossa mente vai criando
Não prevê criptonita

Mas digo que abracei
Esse caminho sem volta
Que um dia também recusei
Mas que veio e bateu à minha porta
Segui tateando no escuro
Construindo pontes no lugar de muro
Sou professora, é o que importa

Passei a acreditar na mudança
E no poder que temos no ofício
Trabalhei com adulto e criança
Ensinar se tornou um vício
Levando a bandeira da arte
Onde vou, por toda parte
Esse é meu palanque e comício

Essa saga que aqui conto
Por toda ela eu passei
Nenhum professor nasce pronto
Vai se construindo bem sei
Se fazendo a cada aula
No desespero e na calma
No seu valor, na sua lei

Mais de vinte anos de história
Conquistas e fracassos também
Uma profissão inglória
Se a deixarmos como refém
Mas foi a profissão escolhida
Para esse espaço de vida
E a ela eu quero bem

 

Comentários

  1. Eu amei ler a sua poesia crônica, e ver agora com os olhos de professora como é realmente a sala de aula. Obrigado professora pelas aulas que a senhora deu !!!.
    Você faz a diferença.

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    1. Oi, Lua! Adorei a classificação. Já vou fazer mais poesia crônica. Mas esse é um relato bem pessoal, embora tenha elementos comuns a outros tantos professores. Espero que suas experiências sejam mais prazerosas. Grata, pela visita! Até mais,

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  2. Sou assim... Vou assim... professorando pela vida de muitos... smile.

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    1. Oi, Gorete! Somos assim mesmo, esse povo que não desiste. Somos arte-educadoras! Grata pela visita! Até mais,

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  3. "uma leseira que me deu" ahuahaah
    Adorei o poema, é leve de ler, apesar de ir relatando situações reais que os professores passam e que são duras. ��

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    1. Olá! Eu ri muito quando apareceu esse verso. Mas foi isso mesmo. Grata pela visita. Até mais,

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