SEMANA SANTA

A Última Ceia
Juan de Juanes, 1560



Esta semana, na tradição católica cristã, comemoramos a Semana Santa, um conjunto de ritos que relembram a chegada de Cristo à cidade de Jerusalém, sua Paixão, Morte e Ressurreição.

Crescida em uma família católica que reverenciava todos os rituais, lembro que quando criança, ouvia de minha avó as histórias sobre essa data. Ela determinava a nossa vida durante toda a semana que começava no Domingo de Ramos, ganhava forma na Quinta-feira Santa, tinha o seu auge dramático e introspectivo na Sexta-Feira da Paixão, passava pela inquietação do Sábado de Aleluia e transbordava de alegria no Domingo de Páscoa.

Ir à missa fazia parte dos ritos. Não comer carne também. Era a semana toda de peixe. Mas tinha o jejum. Não podíamos comer muito (eu não gostava dessa parte!). 

No Domingo de Ramos, ao voltarmos da missa, colocávamos na porta a cruz de palha (o ramo distribuído durante a celebração, com procissão que lembrava a entrada de Jesus em Jerusalém). Essa cruz nos incluía no povo escolhido e protegido por Deus. E a cruz de palha ficava na porta até se decompor. 

O restante da semana (segunda, terça e quarta) nossa rotina era marcada pela desaceleração, pela introspecção, nada de falar alto, rir, gritar, correr. Íamos parando aos poucos. E sempre cercada pelas histórias de minha avó, vinda de Tarauacá, interior do Acre. 

Na escola, até a 4ª série, ainda fazíamos coelhinhos de cartolina e ganhávamos chocolate da professora (pena que a partir da 5ª série isso se perdeu!).

Chegando a Quinta-feira Santa, não havia aula e ficávamos em casa. Era o dia em que minha mãe e tia preparavam as comidas para a sexta-feira. Sempre tinha mungunzá. Até hoje não sei qual a relação com o rito cristão, só sei que Semana Santa significava comprar milho branco e fazer mingau, com castanha ou coco (nossa! pense numa coisa gostosa!... mas não esquece que estávamos jejuando).

As comidas eram feitas pela manhã: tratar o peixe, separar a banana, preparar o mungunzá. No final da tarde, íamos à missa e à procissão onde ganhávamos os ramos para proteger nossas casas. 

Chegando na Sexta-Feira Santa, nossa! Tudo parava! Minha avó dizia que no interior, quando dava meio-dia, o horário em que Cristo havia sido crucificado (sim, ela sabia até os horários todos!), os pássaros não cantavam, nenhum bicho fazia barulho e até o rio parava! Ano após ano eu ouvia essa história e ficava encantada com a ideia de que o rio parava. E pensava, se até o rio parava, eu não poderia correr, tinha que ficar quietinha. 

Nesse dia nós nem penteávamos os cabelos (pelo menos no tempo da minha avó). Se fizéssemos qualquer coisa assim, que remetesse ao trabalho, ela logo nos chamava de Judas, e, acredite, tudo o que menos queríamos éramos ser chamados de Judas, porque ele traiu Cristo e causou-lhe todo o sofrimento. Depois eu fui entender que fazia parte da história Cristo passar por esse sofrimento, morrer para ressuscitar. Mas enquanto criança, Judas representava a traição.

Lembro que o silêncio nesse dia imperava. Logo ao acordar já sabíamos que se tratava da Sexta-feira Santa porque falávamos muito baixo. Quase não comíamos. E no final da tarde, íamos à procissão, passando por toda a Via-Sacra, que é o percurso de 14 Estações (paradas), onde íamos relembrando a caminhada de Cristo até o calvário. Agora a Via-Sacra é encenada e fica mais realista. Acompanhamos um Cristo carregando sua cruz e sendo crucificado. 

Ah, antes de irmos à missa, tinha o filme da Paixão de Cristo. Todos assistíamos. E todos choravam todas as vezes em que Cristo morria na cruz. O catecismo ajudava a memorizar as frases-chave desse momento. Cristo à beira da morte, na Cruz, olha para sua mãe Maria, que chora e para João, seu apóstolo mais novo e diz:

- Mãe, eis aí o teu filho!
- Filho, eis aí a tua mãe!

E desse momento em diante, nos consideramos filhos de Maria. Lembro de tudo isso, porque além de ter sido uma história contada por anos e anos, ter sido lida na Bíblia, relembrada nas celebrações litúrgicas, também era algo muito forte e vivido em casa. De alguma forma nós tínhamos que passar por privações e sofrer um pouco, porque esse Cristo havia sofrido muito por nós. Nossa família não tinha posses, mas os ritos de simplicidade, jejum e penitência, nos aproximavam desse Deus que também tinha sido podre e sofrido muito. Nos uníamos a ele pela pobreza e pelo sofrimento. E claro, depois, pela esperança de passar daquele sofrimento para uma vida de alegrias. A nossa Páscoa era essa esperança. 

No Sábado de Aleluia, a história que ouvíamos era a de que Judas tinha sido enforcado. E víamos alguns bonecos de pano presos em postes. Quando eu era criança, eu não via crueldade nisso. Fazia parte da história. Todos os anos ele ia trair Cristo e seria enforcado. Hoje, conhecendo outras versões, acho cruel. Cristo já sabia de tudo que ia acontecer e Judas contribuiu para os planos divinos. 

Nesse dia começávamos a brincar, mas tinha o medo de apanhar, porque na sexta, era terminantemente proibido bater em uma criança, mas no sábado... Sábado era dia dos castigos. E também era o dia em que as pessoas que tinham galinhas, precisavam ter cuidado, porque elas poderiam ser roubadas à noite. Também não entendo bem! Mas era um dia de tumulto.

E chegava o Domingo de Páscoa! Nesse dia podíamos comer mais! Era o dia de comemorar a ressurreição de Cristo! A missa era mais alegre e festiva! Muitos cantos alegres! Não lembro bem o momento em que passamos a ganhar chocolate e comemorar com ovos de Páscoa esse dia. Acho que foi quando começamos a ter um pouco mais de dinheiro.

Estudar catecismo (fazer as leituras bíblicas), me ajudaram a entender esse momento. Ler sobre outras culturas também me fez ampliar o olhar sobre esse ritual cristão. A Páscoa significa sempre uma renovação de aliança de um Deus que nos ama, que se doa e que nos convida a acreditar que podemos também fazer essa passagem de um momento de dor para um momento de alegria. Podemos superar problemas, podemos renascer sempre. 

Muito do meu otimismo e minha forma de encarar a vida vem dessas crenças e de como a minha família sempre vivenciou a tradição cristã e a incorporou no seu dia-a-dia. Cristo representa para nós, alguém que amou, sofreu, morreu e ressuscitou! E essa ressurreição comemorada no Domingo de Páscoa, simboliza essa vitória contra a dor, o sofrimento, as injustiças. 

Feliz Páscoa!

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