Uma viagem às origens do Cristianismo


Via Apia Antica
A Via Apia Antica foi uma das principais vias da Roma antiga, começou a ser construída em 312 a.C. por Ápio Claudio Cego... mas eu não sabia disso quando passei por ela em 2006. Minha primeira impressão era a de uma estrada muito bonita e cuidadosamente construída com paralelepípedos meticulosamente ordenados, pelo menos neste trecho. Eu não sabia o que ia encontrar mas estava achando tudo espetacularmente maravilhoso! Estava entre amigos e em um lugar que eu conhecia apenas pelos livros de História da Arte e pelos filmes: Roma. Pelos livros eu sabia que os romanos foram grandes conquistadores e que as estradas faziam parte do grande projeto de expansão do império romano e eu estava ali, passando por uma delas, como quem pisa em um rico tapete histórico.

Quando pus meus pés na Via, um dos meus amigos me falou que havia sido nesta estrada que Saulo teve a sua visão antes de entrar em Roma e passou a se chamar Paulo e parou de perseguir os cristãos. Uma história dessas mexe com a gente, principalmente quando se é católica. É o momento mágico em que o lugar adquire um significado simbólico tão forte que a gente sente o ar mudar e as forças da história fazem o olhar mudar também. Naquele momento não era apenas uma estrada bonita e cuidadosamente construída pelos romanos antes de Cristo... era a estrada pela qual tinha passado um perseguidor do cristianismo em seu momento de mudança pela força de um Deus que o convidou a entrar em Roma como um cristão.




A placa informa ao viajante por onde ele está pisando. Uma placa em mármore no alto do muro, que de tão antigo, deixou-se cobrir por uma pequena vegetação.


 E as placas indicam o caminho para as catacumbas, o motivo da nossa visita nesse trecho da cidade. Placas amarelas, simples, quase emolduradas pelas folhas, indicando a direção para quem deseja seguir para as Catacumbas de Domitilla e as Catacumbas de São Calixto. Nós seguimos para São Calixto, que é a mais bem preservada de todo este circuito de túmulos em Roma.


Área da Catacumba de São Calixto, com "gruta" de adoração.
Ao entrar no parque nos deparamos com esta paisagem muito agradável. Árvores diferentes das árvores que eu conhecia, aliás, tudo era muito diferente. A sensação de que o olhar se abre para as coisas é o primeiro impacto. O clima é agradável, um ventinho gelado (era mês de julho) e tudo estava tão bem cuidado, tão limpo! Ao lado direito desta foto, onde o verde molda uma gruta, encontra-se um oratório com a imagem de Nossa Senhora e um pequeno lago artificial com peixinhos vermelhos. Ali a gente respira paz!



Entrada da Catacumba de São Calixto.
Depois de compramos os ingressos, nos dirigimos à entrada da catacumba, a partir daqui não era mais possível fotografar. Nesta entrada vê-se alguns pedaços de mármore que eram usados para identificar os nomes dos cristãos sepultados ali. Só entram poucas pessoas por vez porque os corredores são estreitos, a respiração fica sobressaltada, não sei se mais pelo falta de ar ou pela emoção.

É uma experiência incrível para quem é católico! A viagem no tempo provocada pela sensação térmica, pelo espaço, pelas imagens e pequenos objetos que percebemos ao longo do trajeto pelos corredores e criptas
é como entrar em uma cápsula do tempo, num túnel do tempo. Sei que tínhamos um guia nos conduzindo nesse trajeto, mas não lembro de nada do que foi dito. Lembro que os corredores de pedra eram estreitos e eu fiquei com vontade de ir tocando, pra sentir a parede de pedra gelada. Mas fiquei com receio de profanar os túmulos e a memória de quem havia sido sepultado ali. Não é uma experiência mórbida, é uma experiência transcendental. Eu lembro que eu fiquei pensando como as pessoas conseguiam construir aquelas galerias em 5 andares subterrâneos, cavando nas pedras e detalhando cada cripta. E como essas criptas eram esculpidas e decoradas com pinturas. Havia ainda muitas lâmpadas antigas de barro. A cada andar que descíamos a respiração ficava mais pesada. Chegamos em um ponto em que o guia disse que não era mais seguro continuar... e voltamos.



Entrada da lojinha de souvenirs. 
Do lado de fora da catacumba, existe uma lojinha de souvenir, com postais grandes e pequenos, livros com a história das catacumbas, miniaturas de esculturas, chaveiros, lápis e uma infinidade de objetos para quem quiser levar uma recordação da visita. De todos os lugares que visitei na Itália, este foi onde eu comprei mais coisas. Nessa hora baixou a professora de história da arte e eu só pensava em material para as aulas de arte cristã primitiva. Eu já gostava dessa parte da história devido as leituras do Hauser, do livro História Social da Arte e da Literatura. Mas eu precisava aproveitar o momento em que eu estava presente na história que eu tinha lido nos livros e me cercar de objetos de memória, para nunca mais esquecer. Comprei postais pequenos, postais grandes, um livro sobre as catacumbas de São Calixto, um VHS (naquela época não tinha em dvd), miniaturas de placas de mármore e outros objetos. Saí com meu orçamento do dia totalmente estourado, mas saí tão feliz!





Não chegamos a visitar a Catacumba de São Sebastião, mas visitamos a Igreja de São Sebastião, onde eu encontrei a escultura mais linda do santo e de uma forma que eu ainda não tinha visto: ele está deitado. A maioria das representações de São Sebastião, seja em pinturas ou esculturas, ele está amarrado a uma árvore e com as flechas ou as marcas das flechas. Na Igreja de São Sebastião, em Manaus, ele está assim, na fachada, em pé, amarrado. Mas esta escultura em Roma é simplesmente bela! Ainda preciso fazer uma análise estética e estilística, mas não agora. Por hora fica a imagem e a liberdade para apreciar sem mais palavras...

Escultura de São Sebastião, Igreja de São Sebastião, Via Apia Antica, em Roma.

Igreja de São Sebastião, onde está a escultura do santo.


Foi uma viagem incrível que me fez reafirmar minha fé cristã, pois me senti mais próxima dos primeiros cristãos, que mantiveram sua fé por quase 300 anos, sem grandes templos, sem espetáculos, sofrendo perseguições, sendo martirizados. No século V a Igreja Católica já apresenta outras características, Cristo é coroado como Rei e deixa para trás suas vestes de Bom Pastor. Hoje, temos em Francisco, nosso Papa, talvez uma retomada à simplicidade que guiou os antigos cristãos. Não é a mesma simplicidade, talvez seja uma simplicidade bem mais difícil de professar, pois estamos diante de muitas riquezas. Mas percebo aí um acolhimento maior às pessoas que são e sempre foram a base de toda a igreja cristã, os mais pobres. É bom entender aqui a pobreza no sentido de não acúmulo de bens materiais. E a simplicidade como postura diante do mundo.

Quero muito retornar à Roma, há muito mais de história do mundo para encontrar. História do cristianismo, história da arte, história da cidade, história dos monumentos como patrimônio... Minha paixão pela história e pela arte, certamente me levarão até lá. Agradeço aos meus amigos de viagem a experiência maravilhosa que compartilhamos em Roma e que agora, compartilho aqui, com mais pessoas. Viajar é bom demais!



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Local: Roma-Itália, em julho de 2006.
Fotos: Evany Nascimento (menos a foto em que apareço, que foi feita pela minha amiga Nazaré Ribeiro).

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