Design para um mundo complexo, de Rafael Cardoso


FICHAMENTO Nº 2
Continuando os exercícios de fichamento, apresento algumas anotações sobre o atualíssimo livro de Rafael Cardoso, Design para um mundo complexo. Foi uma leitura extremamente deliciosa e rápida. E o fichamento foi igualmente prazeroso. Ensaiei uns quadros com as palavras e conceitos mais importantes e uma variação de "índice remissivo" para listar os autores com os quais o autor deste livro dialogou. Lembrando que são apenas anotações e que a leitura da obra é sempre recomendada. No final, o link para baixar este fichamento em PDF.

   
Rafael Cardoso é escritor e historiador da arte, PdD pelo Courtauld Institute of Art (Universidade de Londres). Atua como professor e pesquisador na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e é autor de Uma Introdução à história do design. Na Cosac Naify organizou O mundo codificado de Vilém Flusser (2007) e O design brasileiro antes do design (2005).”



 
Referência bibliográfica

CARDOSO. Rafael. Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac Naify, 2012.


2.     Ementa
Discussão sobre as noções de forma, função e significado. Instabilidade e perda do sentido dos artefatos. Materialidade e imaterialidade.

 3.     Palavras-Chave

Design
Globalização
Sistema
Interface
Memória
Identidade
Experiência



4.     Conceitos com os quais opera

Complexidade
Adequação ao propósito
Forma
Artefato
Experiência do artefato
Rede


Exemplos/ilustrações/aplicações de conceitos
01
Transformação do artefato/mudança de significado
Garfo que vira pulseira
02
Transformação do artefato no tempo
Pintura mural Santa Ceia de Leonardo da Vinci
03
Imobilidade dos artefatos
Arcos da Lapa
04
Design, identidade, memória
Marca da Lyght, embalagem do Pó Royal, marca da Mococa
05
Funcionamento/operacionalidade
Relógio de pulso
06
“Valor agregado”, “Valor afetivo”, “Valor simbólico”
Camisa usada por Pelé na Copa de Futebol de 1958
07
A linguagem das formas
Garrafa de vinho, garrafa de champagne
08
Perda/mudança de significados
Secador de cabelo, machadinha de pedra


5.     Lógica interna (desenvolvimento/argumentação)
O livro está organizado em cinco partes: introdução, capítulos 1, 2 e 3 e conclusão. O texto segue como uma conversa com o leitor a partir de questões norteadoras que abrem para reflexões com ilustrações de aplicações em casos, situações e objetos de design. Apresenta o diálogo com outros designers, arquitetos e urbanistas, filósofos e outros.

6.     Interlocução


Área
Autor
Páginas
Introdução
Designer
Victor Papanek
17,18,19,20
Filósofo
Sócrates
26

Immanuel Kant
27

Schelling
27

Schlegel
27
Arquiteto
Louis Sullivan
16

Karl Friedrich Schinkel
27, 33

Karl Bötticher
33, 34

Gottfried Semper
34
Geógrafo
David Harvey
38,39



Capítulo 1
Designer
Shepard Fairey
83

Milton Cipis
92

Aloísio Magalhães
85, 87, 93

Rico Lins
94, 96
Filósofo
Vilém Flusser
83
Historiador da arte
Norman Bryson
85
Pintor
Leandro Joaquim
56, 60, 66

William Alexander
56, 60, 68

René Magritte
59

Hélio Oiticica
94, 97



Capítulo 2
Designer
Irmãos Campana
113, 115

Sérgio Rodrigues
118

Philippe Starck
120
Filósofo
Vilém Flusser
125, 151
Sociólogo
Henri-Pierre Jeudy
123



Capítulo 3
Filósofo
Samuel Taylor Coleridge
173, 174, 175, 176
Designer
Harry Beck
180
Escritor
João do Rio
187
Urbanista
Michael Benedickt
197



Conclusão
Filósofo
Maurice Merleau-Ponty
220
Historiador
Eric Hobsbawn
245
Poeta
Robert Brwning
247
Arquiteto
Mies van der Rohe
247

7.     Leituras conexas
O autor, ainda que não cite, apresenta conformidade de pensamento com as ideias apresentadas por Anne Leonard, no livro A História das Coisas. Os trechos aparecem nas páginas: 22, 156, 157, 158, 162, 241.

Também há um exemplo semelhante ao apresentado por Dyan Sudjic, no livro A linguagem das coisas. Observado na página: 103.

Há ainda proximidade com as discussões de Donald A. Norma, no livro Design Emocional, visto na página 137.

8.     Excertos (trechos mais significativos)

Introdução
“O presente livro tem a intenção de retomar a discussão do ponto em que ela foi deixada por Papanek. O título Design para um mundo complexo é homenagem e revisão crítica, a um só tempo.” (19)

“O plano de fundo que reúne as partes muito diversas do presente livro é essa tão falada globalização, naquilo que ela tange o design, principalmente no que se refere à unificação de sistema de fabricação, distribuição e consumo, desde meados do século XIX.” (24)

“Por “complexidade”, entende-se aqui um sistema composto de muitos elementos, camadas e estruturas, cujas inter-relações condicionam e redefinem continuamente o funcionamento do todo.” (25)

“A cidade é entidade, microcosmo do mundo complexo que se quer analisar aqui.” (25)

QUESTÃO: “É possível que os conceitos encontrem expressão material: ou seja, que possam ser percebidos pelos sentidos físicos, como visão, audição e tato?” (28)

“Os conceitos são passíveis de expressão material, mas em graus variáveis. Quanto mais simples e direto o conceito – ou seja, quanto mais simples e direto o conceito – ou seja, quanto mais enraizado estiver numa experiência emocional clara – maior será a facilidade de compreendê-lo.” (29)

“Claramente, “forma” abrange pelo menos três aspectos interligados, que possuem diferenças importantes entre si: 1)aparência: o aspecto perceptível por uma visada ou olhar; 2)configuração: no sentido composicional, de arranjo das partes; 3)estrutura: referente à dimensão construtiva ou constitutiva.” (31)

“As formas dos artefatos não possuem um significado fixo, mas antes são expressivas de um processo de significação – ou seja, a troca entre aquilo que está embutido em sua materialidade e aquilo que pode ser depreendido delas por nossa experiência. Por um lado, as formas concretizam os conceitos por trás de sua criação.” (36)

“O que muitas vezes nos escapa, por conta da relativa brevidade de nossa existência humana, é o quanto os artefatos se transformam no tempo e, o que é ainda mais difícil dimensionar, o quanto os tempos mudam.” (36)

“Ou seja, o olhar é uma construção social e cultural, circunscrito pela especificidade histórica do seu contexto.” (37)


Capítulo 1 – Contexto, memória identidade – o objeto situado no tempo-espaço
QUESTÃO – “Será que existem mesmo artefatos imóveis?” (47)

“Fatores condicionantes do significado. (...) Três desses fatores estão ligados à situação material do objeto, e três outros estão ligados à percepção que se faz dele. Os da primeira categoria são: “uso”, “entorno”, e “duração”. Os da segunda categoria são: “ponto de vista”, “discurso” e “experiência”.” (61)

“... significado, em última instância, reside unicamente na percepção dos usuários (sendo quem faz, o autor ou criador, considerado usuário também). Sem um sujeito capaz de atribuir significado, o objeto não quer dizer nada; ele apenas é.” (62)

“Hoje, mais do que nunca, na chamada “era da informação”, é praticamente impossível chegar a qualquer objeto sem passar antes pelo repertório – ou seja, sem alguma noção dos discursos que moldam seu significado e uma ideia preconcebida de como será sua experiência.” (68)

Sobre o tempo, sua decorrência e devir:



Tempo
“propósito”: uso mutável


Qualidade
estável
“história”: duração mutável
“permanência”: entorno mutável
“atenção”: ponto de vista mutável
“consagração”: discurso mutável
“memória”: experiência mutável


“A identidade está em fluxo constante e sujeita a transformação, equivalendo a um somatório de experiências, multiplicadas pelas inclinações e divididas pelas memórias. Quando se pensa que o sujeito existe, ao longo de sua vida, rodeado por enunciados e informações, produtos e marcas, design e projeto, começa-se a ter uma noção das múltiplas maneiras em que memória e identidade podem interagir para moldar nossa visão do mundo material e condicionar nossa relação com os artefatos que nos cercam.” (92)

 Capítulo 2 – A vida e a fala das formas – significação como processo dinâmico

1ª premissa: “os objetos são capazes de significar coisa por meio de sua aparência.” (108)

“O processo de significação dos artefatos”: materialidade, ambiente, usuários, tempo.” (152-154)

[Produto e mercadoria] “Ambas são visões essencialmente centradas no proveito que pode ser tirado do artefato, seja em termos do seu aproveitamento pelo uso ou sua realização como lucro. O presente impasse ambiental nos obriga a adotar outro olhar para o artefato – como cultura material, ou seja: o vestígio daquilo que somos como coletividade humana. Os artefatos são expressão concreta do pensamento e do comportamento que nos regem. O conjunto de todos os artefatos que produzimos reflete o estado atual de nossa cultura.” (162)


Capítulo 3 – Caiu na rede, é pixel – Desafios do admirável mundo virtual

 “Num sistema em que tudo está inter-relacionado com tudo, a necessidade de projetar interfaces existe em crescimento contínuo e geométrico. Por essa razão, design e logística talvez sejam atualmente as duas áreas de maior importância para operacionalizar a continuada existência material de todos nós.” (193)

 Conclusão – Novos valores para o design (e seu aprendizado)

“É certo que o ensino do design em nível superior surgiu no Brasil com cunho mais ideológico do que pedagógico, atento mais à consagração de um estilo e um movimento do que às circunstâncias da vida econômica, social e cultural do país.” (223)

“Em decorrência dos embates históricos que contribuíram para a consolidação da profissão, os designers têm o mau hábito de pensar sobre o que fazem principalmente em contraposição àquilo que não são ou àquilo que pertenceria a outros campos.” (231)

“O primeiro passo, portanto, para o aluno de design se situar no mundo é ter a plena convicção de que ele ainda é apenas um estudante. De fato, ele não é artista, nem artesão, arquiteto, engenheiro, estilista, marqueteiro, publicitário, e muito menos designer. Com a experiência de trabalho, com prática e estágios, com leituras e estudo e dedicação, ele pode vir a se tornar um profissional gabaritado em qualquer segmento do design que escolher.” (233)

“Em seu sentido mais elevado e ambicioso, o design deve ser concebido como um campo ampliado que se abre para diversas outras áreas, algumas mais próximas, outras mais distantes. Nesse sentido, o designer pode sim ser artista, ou artesão, arquiteto, engenheiro, estilista, marqueteiro, publicitário ou uma infinidade de outras coisas. A grande importância do design reside, hoje, precisamente em sua capacidade de construir pontes e forjar relações num mundo cada vez mais esfacelado pela especialização e fragmentação de saberes.” (234)

“Resumindo, pode-se dizer que o design é um campo essencialmente híbrido que opera a junção entre corpo e informação, entre artefato, usuário e sistema”. (237)

“A maior e mais importante contribuição que o design tem a fazer para equacionar os desafios do nosso mundo complexo é o pensamento sistêmico. Poucas áreas estão habituadas a considerar os problemas de modo tão integrado e comunicante.” (243)

“Um segundo valor característico do bom design é a inventividade de linguagem. Todo trabalho de design envolve o emprego e a conjugação de linguagens, geralmente de ordem visual e/ou plástica.” (244-245)

“Um terceiro valor muito característico da prática profissional dos bons designers é a excelência da realização e do acabamento.” (246)

“Há ainda valores importantes advindos de outros campos, fora do exercício estrito do design, e que poderiam ser mais bem integrados ao seu ensino. Uma qualidade que deveria ser incentivada, por exemplo, é o empreendedorismo.” (248)

“Dois valores que costumam se enfatizados pelo ensino, com alguma variação de uma escola para outra, são responsabilidade ambiental e inclusão social.” (249)

“O último ponto a ser defendido aqui diz respeito a um valor especialmente estimado pelo autor deste livro: a erudição como fator determinante da atuação profissional do designer.” (250-251)

“Os mestres mais confiáveis, nesse sentido, são os livros. Para quem quiser se ilustrar, o caminho é fácil: ler, ler e ler.” (253).

Evany Nascimento

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